DÁRIO TEIXEIRA COTRIM
A tarde da velhice é a aurora da outra vida!
Augusto de Lima – O Inquisidor
Já faço meio século e mais alguns anos de vida. A vida para mim continua como sempre: misteriosa e, por outro lado, caminhante. Assim, misteriosa como o mar que está sempre em movimento no seu caminhar. São nesses momentos de mistérios que percebemos que a nossa mocidade foi deixada para trás e que não tem mais volta. Enquanto isso, a velhice chega de mansinho apoderando-se de nossos corpos e de nossas mentes. O que era antes os ‘embalos nas noites de sábados’, agora se torna menos agitado. Mas, muito mais calorosas são as noites gélidas dos segredos mútuos.
Podemos dizer que, quando o vulcão do nosso corpo começa a acomodar-se é o momento da alma gozar de felicidades e a mente espairecer nas saudades do tempo. A sabedoria popular já dizia que não temos o direito de consumir a felicidade sem ao menos produzi-la. É por isso que a velhice tem lá as suas ledices e a compensação mais excitante de que a vida possa nos oferecer um dia: a de sermos felizes avós!
Ser avô é, pois, uma imensa compensação da nossa nostálgica velhice. Pois é nela que temos a noção exata da responsabilidade de sermos os pais-avós. É na velhice que podemos experimentar a medida exata de amor que dedicamos aos nossos netos. É também na ancianidade que ocorre em nós a saudade dos filhos nos momentos dos aconchegos maternos quando ainda pequeninos. Muitas vezes, esses momentos foram esquecidos no calor da mocidade. Outrossim, no silêncio das noites as cantigas de ninar eram sussurradas para acalmá-los de uma orvalhada de prantos. Bem feliz quem pode um dia embalar nos braços o corpo ensonado de uma criança alfenim. Bem feliz quem pode em noites distantes rezar uma prece à virgem santíssima.
As sensações dos momentos de sermos avós são sempre aquelas dos pais de primeira viagem. Os netos renovam o que há de mais sagrado no coração dos pais de seus pais. Perfumam as nossas vidas com o doce aroma que exala das flores contidas no luzeiro da esperança. As lembranças dos nossos filhos, agora já adultos e cheios de problemas com o trabalho, com as prestações e com os impostos a pagar, são para nós, seus pais, o orgulho do dever cumprido.
Disse certa vez a escritora Raquel de Queiroz com muita propriedade: “Sim, tenho a certeza de que a vida nos dá os netos para nos compensar de todas as mutilações trazidas pela velhice. São amores novos, profundos e felizes, que vêm ocupar aquele lugar vazio, nostálgico, deixado pelos arroubos juvenis”. Sem dúvida que os netos são os amores novos de nossas velhas vidas.
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