domingo, 2 de agosto de 2009

14 - ESPERANDO A MORTE CHEGAR

DÁRIO TEIXEIRA COTRIM

A cena é uma das mais tristes que os nossos olhos podiam ainda registrar num dia de tanta labuta e incertezas. À vista, um avelhantado casebre com tapume de ramos e ripas tortuosas, já em ruínas. O casebre estava assentado num botumirim ao lado de uma estrada vicinal, estreita e dificultosa, onde uma densa nuvem poeirenta encobria, impiedosamente, até o fundo das almas de quem ali teimava em residir. Paramos o nosso carro num arrebatamento incomum.

Um ancião, que se apresentava desfalecido numa depressão de um provável pequenino regato, não se importava com a presença dos mosquitos e nem sequer percebia a nossa chegada.

O sol abrasador tostava mais ainda a já ressequida vegetação daquele lugar. A imensidão das colinas deixava em nós, a ligeira impressão de um lugar isolado e longe, muito longe da civilização em que vivemos. Entretanto, morava naquele tosco casebre, um casal de velhinhos. Não na mais pura solidão como imaginávamos a princípio, se não fossem algumas aves domésticas que perambulavam pelo terreiro à cata de insetos e migalhas de comida.

Um cachorro vira-lata espreguiçava num pequeno cômoro de areia grossa, e lá continuava no seu relax, indiferentemente da nossa presença. Nesse momento, uma velhinha magérrima, muito apressada, aparece de dentro do tugúrio para nos receber. Era ela uma estranha mulher.

Uma mulher severa e com perturbações mentais. Por tudo isso era difícil de manter com ela uma conversa normal, já que nada ela sabia e de nada ela entendia. Vivia na mais pura escuridão do tempo e da esperança.

Depois dos cumprimentos, sem saber de suas sandices, indagamos a ela onde seria a estrada que dava à comunidade de Panela dos Tapuias. Gesticulando aleatoriamente os braços, tentava nos dizer alguma coisa sobre o que queríamos saber. Nisso, rumou ao encontro do velho companheiro e, aos berros, chamava-o com certa insistência para que ele pudesse nos atender.

- Ô Mané Preto, acorda sô, qui u moço ai tá quereno qui ocê fala cum ele. Ô infiliz de home. Acorda sô.

Manuel Preto, assim como era conhecido, se ajeita o corpo escorado num só braço, passa a mão pelos olhos escuros e ferozes, e daí se dá conta da nossa presença.

- Dia coroné. – disse Manuel Preto meio anestesiado.

- Bom dia. – respondemos felizes, querendo transmitir a ele a nossa satisfação de estarmos ali na sua humilde morada.

Por um momento, ele se levanta e cambaleando para os lados, enquanto bate com as mãos nos trapos que lhe cobria o corpo e nos fala de suas insensatas proezas e de suas espertezas sem nem ter sido perguntado. Aspiramos, por um bom momento, aquele cheiro indefinível de sujeira em que nele impregnava, além do insuportável mau-hálito de cachaça azeda. Resmunga com prepotência sobre a nossa presença. Coisas da maldita embriaguez. Perguntamos-lhe onde se dava a estrada para a comunidade de Panela dos Tapuias. Respondeu-nos com uma convicção invejável. – Não sei... Não sei... Não sei...

Ele não sabia mesmo, e fazer fantasia muito menos. Era por isso um precavido e rude homem do mundo. Um homem que se dizia senhor do mundo! Depois rodopiou sobre os próprios calcanhares, e caiu de bruços na mesma terra que há bem pouco tempo permanecia num sono profundo e distante dos problemas que eram seus. Manuel Preto certamente estava naquele estado de penúria pela falta de perspectiva de vida. Invernou-se na bebida na esperança de disfarçar a vergonha que passava diante da esposa. Agora, adoentado pelo alcoolismo inveterado, não lhes restam mais esperanças. Será preciso ficar ali, deitado no chão, de boca aberta, esperando a morte chegar.

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