domingo, 2 de agosto de 2009

7 - MEU TIO-AVÔ LINDOLPHO

DÁRIO TEIXEIRA COTRIM

O que outrora foi um sonho é hoje uma grande decepção de vida.

O meu tio-avô Lindolpho Antônio Teixeira, rábula em leis jurídicas, sempre foi o homem no qual eu me espelhei com orgulho e com muita admiração. A sua principal paixão era mesmo a advocacia. Com efeito, eu queria ser igual a ele: um homem respeitado, venerado e sempre solicitado para dirimir as dúvidas civis e resolver os embates penais de longas datas: eu queria ser um advogado. O meu tio-avô era uma pessoa de certa afabilidade, que mostrava o seu vício de boa-educação e o seu caráter austero, sem zanga, mas também sem a letícia do cotidiano. Ele tinha uma voz rouca e o rosto avermelhado, que trazia a barba por fazer numa expressão que lhe parecia nímio instruído. Costumava pitar cigarro de fumo de rolo em palha de milho. Fumava e falava pausadamente e quando acontecia sorrir nos mostrava os dentes amarelecidos pela nicotina que deles expelia em meio ao catarro de que tanto lhe incomodava. O mundo para ele estava prestes a acabar. O meu tio-avô era assim porque estava continuamente com muita pressa. No mesmo instante que chegava já estava de saída. Nunca esquentava assento. Era uma inquietude constante que lhe marcava como uma característica principal do seu dia-a-dia.

O tempo corria com uma rapidez máxima enquanto isso eu me tornava um menino-moço. Um menino-moço que nutria o sonho de ser um advogado igual ao meu tio-avô Lindolpho.

Eu bem me lembro ainda que durante as sessões de júri, a expectativa nossa de vê-lo na sua loqüela sólida e brilhante, de ilustre defensor público, era o que mais nos causava orgulho e ao mesmo tempo uma doce e eterna admiração. Trajando o seu surrado paletó de brim, que era vestido por sobre uma casimira encardida nas estradas poeirentas de Urandi, ele ainda trazia a mesma gravata preta e o seu antigo chapéu de massa. Os livros, estes nunca lhe faltaram. Por aonde quer que andasse, eles estariam em sua companhia. Com os livros jurídicos teve um perfeito casamento, já que eram os seus conselheiros inseparáveis. Os seus melhores companheiros. Pois bem, poderíamos dizer que eram os seus companheiros das horas certas e das horas incertas também. Aliás, principalmente os das horas incertas.

O meu tio-avô era maçom! Que coisa mais significativa para mim. O meu tio-avô ser um irmão-maçom. E foi muito mais além, ele foi o fundador da maçonaria da cidade de Caetité. Não há dúvida de que o meu tio-avô era um homem perfeito, um homem de bem que vivia consciente de suas responsabilidades e obrigações jurídicas. Vivia intensamente nos labores dos fóruns que freqüentavam e, por outro lado, nutria pelos seus pares uma admiração inquestionável.

Sonho realizado. Hoje eu sou advogado igual ao meu tio-avô. Mas, logo em seguida veio a grande decepção. Com os recentes escândalos de corrupção no Poder Judiciário o meu mundo desabou. Não há mais aqueles competentes rábulas nas sessões de júri e nem no vai-e-vem forense. Hoje somente os bacharéis em Direito, os que são diplomados ao toque do tambor, em virtude da competitividade das Faculdades de Direito em oferecer cada vez mais “advogados” no mercado de trabalho. A proliferação desses profissionais somente contribui para a desmoralização da classe. Infelizmente há hoje no mundo jurídico alguns advogados que são traficantes de drogas e de armas, que são arrombadores de bancos e ainda há aqueles que controlam o crime organizado de dentro das penitenciárias. Infelizmente o número de maus advogados já suplanta a quantidade de bons profissionais. O meu saudoso professor de Direito Penal, o doutor Georgino Jorge de Souza, constantemente nos dizia que “a pedra do anel de advogado é vermelha porque ela tem vergonha de muitos daqueles que a usam”. Recorrendo à memória, eu nunca notei que o meu tio-avô usasse algum tipo de anel. Bem, era melhor que fosse assim!

Finalmente recorro à proposta redigida por Capistrano de Abreu (1853-1927), de que a Constituição Brasileira deveria conter um único artigo: “Todo brasileiro é obrigado a ter vergonha na cara” o que valeria também para o presidente da República, o torneiro mecânico Luiz Inácio Lula da Silva!

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